" A Terra Inabitável: Uma História do Futuro", de David Wallace-Wells, se tornou best-seller porque apresenta suas ideias de forma clara e em uma linha narrativa que vai do impacto (prepare-se), passa pelo didatismo (calor letal, fome, incêndios florestais, pragas, etc), e se aprofunda na reflexão sobre o que precisa ser feito, que corresponde à segunda metade do livro. Por interesse profissional, há anos leio muitos livros sobre clima e estou feliz com o sucesso desse, recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Se você gostou de "Sapiens" de Yuval Noah Harari, também irá gostar deste livro, à medida em que ambos oferecem visões de amplo espectro, em nível civilizacional, ao mesmo tempo que inserem dados e curiosidades que tangibilizam a narrativa e proveem densidade científica. Àqueles que escolhem negar, minimizar ou relativizar a mudança climática, o autor oferece mais de 90 páginas de referências comentadas, com base na melhor ciência disponível até 2018. Para esses, a única opção é rejeitar o livro todo em suas premissas, ou talvez se apegar a minúcias tecnicistas para rejeitar o todo. Mas o livro não é para pessoas que preferem o conforto de ilusões aconchegantes: é para os que não rejeitam a realidade por considerá-la difícil.
Aprendemos, por exemplo, que a mineração de Bitcoin consome mais eletricidade do que a geração por painéis solares em todo o mundo. Ruim, mas não é a história toda. Isto é, se por um lado tivemos uma inovação que, em poucos anos, praticamente anulou os ganhos conquistados após bilhões de investimentos em energia verde, por outro lado existe a possibilidade de se mudar os algoritmos de Bitcoin para que sua mineração dependa de muito menos eletricidade. O exemplo do Bitcoin (eu escolhi este, mas haveria dezenas de outros no livro) também ilustra o dilema que David Wallace-Wels explica na seção final, e que tira o sono de pessoas que se ocupam de questões climáticas: como contar isso às pessoas? Se a situação é tão inescapável e deprimente, isso já não faria com que pessoas simplesmente desistissem de agir, por parecer que a catástrofe já é inevitável? Mas, se o foco for na capacidade de mudar, de transformar hábitos de consumo e de produção, será que não perpetuaremos a ação insuficiente, incompleta e demasiado lenta? O que, de fato, ensejaria uma espiral virtuosa, de modo que nossos descendentes sejam tão ou mais prósperos do que somos hoje? Como poderemos avançar... ou, aliás, pelo contrário, já seria o tempo de recuar? Leia este livro. Como sociedade e indivíduos, precisamos tomar decisões.
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